Antônio Rogério Bié de Moura, natural de Santa Quitéria, é exemplo do impacto que a educação pública de qualidade pode ter na vida de alguém. Criado em uma comunidade de assentamento da reforma agrária naquele município, mas cercado de incentivo e dedicação aos estudos, ele conseguiu enxergar além da realidade que o cercava e começou ainda cedo a percorrer um caminho de superação e busca por novos horizontes. Hoje, aos 24 anos, graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro da Assessoria de Comunicação da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), o jovem está nos preparativos finais para mudar-se de país, após ter sido selecionado para uma bolsa de Mestrado na Universidade do Estado do Arizona, no campus de Los Angeles-CA, nos Estados Unidos.
Rogério estudou por toda a vida em instituições públicas e, ainda durante a 3ª série do Ensino Médio, na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Monsenhor Luís Ximenes Freire, foi selecionado para participar do Programa Jovens Embaixadores, iniciativa da Embaixada dos Estados Unidos que oferece a estudantes da rede pública a chance de vivenciar um intercâmbio cultural e educacional naquele país. A seleção exigia uma série de critérios, incluindo bom desempenho escolar, domínio da língua inglesa e envolvimento em ações de voluntariado.
Após concluir o Ensino Médio, em 2018, o jovem mudou-se para Fortaleza, onde começou a trabalhar na Secretaria da Educação do Ceará, na Coordenadoria de Protagonismo Estudantil. Foi também nesse período que ingressou no curso de Jornalismo, conciliando a rotina universitária com a vivência profissional.
Com o tempo, Rogério migrou de área dentro da Secretaria e passou para a Assessoria de Comunicação, onde teve a oportunidade de colocar mais em prática os conhecimentos adquiridos na graduação. No setor, vem atuando na produção de conteúdo e chegou a assumir a gerência das mídias sociais institucionais.
Motivado pelo desejo de ampliar horizontes e aprofundar os conhecimentos, Rogério se inscreveu em um programa de bolsas de estudo para cursos de pós-graduação no exterior. Quase dois anos de preparação, entre processos seletivos e trâmites burocráticos, resultaram em mais uma conquista: a aprovação para fazer mestrado na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.
Agora, prestes a iniciar uma nova fase, Rogério leva consigo a bagagem construída ao longo de anos de esforço e perseverança, mantendo raízes fincadas no sertão cearense e sonhos que atravessam fronteiras. A trajetória reforça o poder transformador da educação como ferramenta de oportunidades e mobilidade social.
“Eu sempre gostei muito de inglês e de buscar oportunidades que pudessem me ajudar a expandir meus horizontes. No Ensino Médio participei do Jovens Embaixadores, um intercâmbio que foi um divisor de águas na minha vida. Ali eu vi que era possível buscar voos maiores e ir para o exterior”, relata.
Ainda no ano de 2019, estando prestes a começar a faculdade, Rogério ficou sabendo de um programa de oportunidades acadêmicas chamado Education USA, também promovido pela Embaixada dos Estados Unidos. A ação auxilia pessoas que desejam se candidatar a uma vaga para estudar formalmente naquele país, que sejam de baixa renda e tenham potencial comprovado.
“Em 2019, em paralelo ao processo do Sisu, eu me candidatei a uma vaga pensando na graduação. Cheguei até a etapa final, mas como já tinha passado aqui em Jornalismo na UFC, e não tinha certeza de que daria certo ir para o exterior naquele momento, acabei optando por ficar em Fortaleza. Mas já desde o início da graduação, eu tinha em mente que após terminar a faculdade aqui, fortaleceria minhas experiências no jornalismo e em seguida buscaria uma pós-graduação no exterior”, relembra.
Assim, em 2024, surgiu novamente a oportunidade de tentar uma vaga no programa – desta vez, objetivando a pós-graduação. Como se pode notar, a empreitada deu certo. Mas não sem que houvesse muito esforço da parte dele.
“Ao mesmo tempo que eu precisava dar conta de um trabalho em tempo integral, tinha também que estudar para as provas em inglês, que não são fáceis, além de escrever redações e pesquisar as universidades que poderiam ser minhas potenciais escolhas. Esse processo foi muito trabalhoso, porque existem muitas universidades, e desde o início o meu foco era um programa que pudesse me oferecer bolsa completa, o que para o mestrado, especificamente, é muito difícil. Então, virei noites estudando, escrevendo e-mails para professores e universidades, preparando currículo. Foi um processo de muitas etapas”, explica.
Para tanto, Bié conta que montou uma rígida rotina de estudos, acordando de madrugada em muitos dias da semana e aproveitando ao máximo o tempo para tomar providências relacionadas à candidatura.
“Passei quase dois anos no total me dedicando. Fiquei muito tempo absorto nas provas, na parte burocrática. Ficava me perguntando: ‘e se não der certo?’ Mas, ao mesmo tempo, essa experiência foi muito boa também, porque eu tinha um propósito a longo prazo, algo que eu sabia que estava me dedicando diariamente para colher no futuro. Estava com a cabeça o tempo todo focada naquilo. É tanto que, quando acabou o processo, até me senti estranho. Tinha um vazio, porque passei muito tempo naquele ritmo”, reflete.
Ao longo da trajetória de candidatura, Bié diz ter recebido auxílio do Education USA, desde a parte burocrática, que consistiu em organizar e traduzir a documentação acadêmica, até o estudo para as provas de comprovação de nível de inglês, além da preparação do currículo e portfólio. Tendo consistência nas ações e sabendo aproveitar os caminhos abertos, o jovem foi um dos 10 selecionados entre 400 de todo o Brasil que se inscreveram no programa de pós-graduação.
“Desde o início da faculdade eu tive o desafio de conciliar o trabalho com os estudos, pois vim de uma cidade do interior e me mudei para a capital sozinho. Isso me ensinou muito sobre disciplina e foco”, ressalta.
Rogério é o terceiro dos seis filhos de pais agricultores, vindo de um assentamento do MST em Santa Quitéria. Foi o primeiro da família a ingressar e concluir o Ensino Superior, e não para de sonhar com voos mais altos. Contudo, não esquece de dar valor às origens.
“Tenho muito orgulho das minhas raízes. Cresci em volta da cultura do ativismo, da busca por justiça social para comunidades vulnerabilizadas, e encontrei na comunicação uma ferramenta de emancipação social, tanto para mim como para as pessoas que me cercam, jovens como eu que vêm de escola pública. Minha trajetória — do assentamento rural ao Ensino Superior e à atuação em defesa de causas sociais — me proporcionou uma compreensão profunda sobre o poder transformador da educação, da resiliência e do sentimento de pertencimento. Minha perspectiva, na condição de alguém que enfrentou (e superou) adversidades, me permite compreender de forma singular a importância da equidade e da inclusão — não apenas como ideais, mas como práticas essenciais”, frisa.
O passo seguinte de Bié será o embarque para Los Angeles, no próximo mês de julho, para dar início ao mestrado em Narrativas e Mídias Digitais pela Arizona State University, onde ganhou bolsa de estudo integral.
“É muito emocionante. A ficha ainda está caindo. Celebrei e reli as cartas de aceitação diversas vezes para ter certeza de que era verdade mesmo. Estou muito empolgado para mergulhar de cabeça nessa experiência, principalmente porque vai ser uma mudança completa – de país, cultura, universidade etc. O curso que escolhi é relativamente novo e vai me permitir explorar a intersecção entre o jornalismo, o audiovisual e as tecnologias emergentes e interativas, para contar histórias de impacto e levá-las a outro nível. Estou muito animado para viver nesse ambiente efervescente, que é Los Angeles, um dos principais centros mundiais do mercado audiovisual. Quero fazer conexões. Já estou pensando em seguir para o doutorado nessa mesma área, também nos EUA”, projeta.
O programa de formação em mestrado durará um ano e meio, mas Bié poderá ficar por mais até dois anos trabalhando no país, colocando em prática no mercado local o que irá aprender.
Rogério teve na Seduc o primeiro emprego e começou a trabalhar na área do Protagonismo Estudantil, onde teve a oportunidade de atuar em projetos de mobilização estudantil dos quais havia participado enquanto estava no Ensino Médio. “Foi muito legal poder contribuir para que mais jovens pudessem encontrar um incentivo para transformar as suas vidas”, aponta.
Durante o percurso de formação como jornalista, Rogério foi para a Assessoria de Comunicação, um laboratório em que pôde colocar em prática mais diretamente o que estava estudando na faculdade. O exercício profissional diário voltou-se, então, para o campo do audiovisual e da gestão de mídias sociais.
“Destaco, por exemplo, o encontro do G20 que ocorreu no ano passado, em que me envolvi diretamente no recrutamento e na formação de um grupo de jovens que fariam a interlocução com os ministros e a cobertura do evento como estudantes, na imprensa jovem. Acho que esse projeto, especificamente, foi a síntese de tudo que eu aprendi, como a experiência de resolver tarefas complexas em tempo curto. Sempre tive muito a veia de unir a comunicação com a educação”, relembra.
“A Seduc foi a casa onde eu cresci profissionalmente, como cidadão, como ser humano, como um jornalista melhor. Claro que a gente nunca para de aprender, mas tudo que eu vivi na Seduc, após chegar sem saber de muita coisa, me faz pensar que agora estou pronto para seguir adiante. Tenho muita gratidão por esse capítulo crucial na minha vida, que durou seis anos”, finaliza.
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