As apresentações artísticas promovidas pelo Governo de Sergipe durante os festejos juninos não são apenas dos diversos artistas sergipanos e nacionais que abrilhantam os 60 dias de festa. A cada noite de apresentações, seja no Arraiá do Povo, na Vila do Forró, assim como nos demais eventos promovidos pela gestão estadual, os intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) tornam os momentos ainda mais inclusivo, comunicando-se com a comunidade surda que se faz presente.
Os intérpretes estão presentes por meio de uma parceria da Secretaria de Estado da Assistência Social, Inclusão e Cidadania (Seasic) com o Instituto Pedagógico de Apoio à Educação do Surdo de Sergipe (Ipaese). A iniciativa garante uma festa acessível, divertida e com representatividade para todos os públicos. Porém, o trabalho realizado por estes profissionais até subirem ao palco envolve uma grande preocupação e mergulho nas características de cada artista ou apresentação.
A diretora institucional do Ipaese, Dayse Xavier, reforça o sentimento positivo ao ver a comunidade surda em peso no maior arraia à beira mar do mundo, servindo como exemplo para outros locais. “No último fim de semana, por exemplo, o camarote ficou cheio de pessoas surdas. Esse é o principal objetivo: contemplar a pessoa surda a um espaço que também é dela. Queremos que isso seja exemplo para os municípios de Sergipe, e até para outros estados, que eles possam contratar intérpretes para preparar um espaço de festa, arte, cultura e shows, possibilitando que a pessoa surda esteja presente", afirma.
A iniciativa teve início em 2024, e João Neto é um dos tradutores que estão em seu segundo ano no Arraiá do Povo. Tradutor há quase 10 anos, ele trabalha há dois na área artística, e detalhou um pouco de como funciona essa preparação. “É quase como se preparar para uma maratona. Tendo a programação, vamos em busca do que esse artista está cantando ou apresentando. Se o artista tem 30 anos de carreira, vasculhamos os 30 anos. Quando chega perto, a gente consulta os shows mais recentes, estando atento às músicas novas, também. Passamos os dias e as semanas ouvindo os artistas daquela programação”, detalha.
Esse engajamento com o show envolve, também, entrar no ritmo do artista, como nas apresentações do Arraiá do Povo. “Costumo assistir muito ao último show que o artista fez, e deixo tocando para sentir a vibe do espetáculo e do cantor. Alguns gostam de interagir muito com o público, chamar a atenção. Então, sabendo dessa informação, é o que eu tenho que trazer. Não faz sentido o cantor ser tudo isso e o intérprete não entregar a mesma coisa para o surdo. Não é só sobre a mensagem, mas como essa mensagem está sendo passada, a intensidade dela", afirma Adriano Ruan, que há 12 anos é intérprete, sendo cinco na área artística.
Adriano é um dos frutos do investimento feito pelo Ipaese na capacitação de profissionais. Natural de Minas Gerais, ele ficou conhecido por viralizar nas redes sociais com interpretações em shows da cantora Anitta. Ao receber a proposta do instituto, veio para Sergipe, onde realizou a capacitação, e em seguida foi chamado para estar presente no Arraiá do Povo.
O Ipaese é uma Organização Não-Governamental com 25 anos de história, sendo a única escola bilíngue de Sergipe com Libras como a primeira língua, e a única do Nordeste que oferece desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, com o pré-vestibular. A partir da parceria com a Seasic, foi feito um investimento para trazer sergipanos e pessoas de outros estados para as capacitações, que tiveram início em abril, como pontua a diretora do Ipaese, Dayse Xavier. “É um investimento muito grande que fizemos para trazer pessoas de fora nas capacitações. Essa gestão do Ipaese vem inovando, oferecendo alguns serviços que antes não eram ofertados. A gente vem passando as experiências de pessoal de fora, que já vêm atuando em grandes eventos, inclusive pessoas surdas. Tudo foi pensado nos mínimos detalhes, para alcançar o resultado que estamos trazendo”, frisa.
Desafios
Sustentar uma noite inteira de shows com interpretação, gingado e entrega já é um grande desafio para os intérpretes. Fazer isso por 60 dias, então, exige superar muitos desafios que envolvem os detalhes da prática. “O principal desafio, para mim, é perceber que estamos conseguindo passar a mensagem, querendo saber se tudo está bem. São vários, mas o principal é sustentar uma noite inteira, fazendo com que o público entenda o que estamos fazendo, transmitindo o sentimento", destaca João Neto.
Esse envolvimento, segundo João, é um dos grandes pontos para fazer com que a mensagem seja corretamente passada. Neste sentido, o discurso é tão importante quanto a tradução do que está sendo cantado. “Nossa preocupação é com a acessibilidade, a gente quer passar tudo aquilo que está sendo colocado, a sensação que o público ouvinte tem, e a comunidade surda também precisa ter. Acessibilidade é fazer com que eles se sintam iguais, seja no ritmo, no discurso passado, na sinalização, na expressão. As pessoas só nos veem lá em cima, mas há todo um trabalho de estudo para isso”, acrescenta.
Adriano Ruan também ressalta o desafio pessoal: por ser mineiro e crescer no meio do funk, precisou entender algumas dinâmicas e dialetos específicos locais ao chegar em Sergipe, para entrar no clima do forró. “Para mim, que sou de fora, o principal desafio é entender a cultura, a nomenclatura que é usada, contexto daquilo. Frases como ‘valeu boi', por exemplo. Eu preciso entender o contexto da música, trazer a cultura para mim na interpretação”, complementa.
Valorização e importância social
Para todos os envolvidos, a satisfação do trabalho vai além do conteúdo bem executado. A presença de intérpretes de Libras no palco do Arraiá do Povo, por exemplo, faz com que o trabalho destes profissionais ganhe mais visibilidade, além de abrir os olhos das pessoas para a causa da Língua Brasileira de Sinais. O intérprete de shows, por exemplo, é apenas um dentre os que atuam em diversas áreas.
“É toda uma cadeia que se beneficia. Existe o intérprete de Libras no contexto escolar, jurídico, político, e por aí vai. Quando se fala da área artística, é outro envolvimento, profissional e atitude. As pessoas têm a noção de que a comunidade surda pode estar no show, e que essa dinâmica está sendo vista”, explica Adriano.
João Neto acrescenta, ainda, o interesse que as pessoas mostram além dos shows, espalhando conhecimento sobre o tema. “Nosso trabalho faz com que a Libras seja vista além do dia do show. As pessoas procuram saber o que é, e a acessibilidade passa das fronteiras do evento. A sensação do show é incrível, mas ver as pessoas procurarem depois é gratificante. Parte da acessibilidade é perpetuar o conhecimento”.
A partir do esforço e abnegação daqueles que são mais do que intérpretes, mas pessoas realmente dedicadas à causa da comunidade surda, centenas de pessoas que antes estavam à margem, agora, conseguem participar de um grande evento, aproveitando todos os momentos. “É pensar que é cultura sergipana para todos, e esse é um passo para isso. Incluir a todos os públicos, com um recurso incrível, com sergipanos consumindo a cultura sergipana”, ressalta João Neto.
“Antes essa profissão não era nem vista, você passava despercebido e, hoje, eles falam ‘olha o intérprete de Libras'. Só esse fato mostra que eles estão falando da profissão, da língua, da comunidade surda, vendo o surdo presente. Não é só sobre nós, é sobre como as pessoas estão vendo isso. Ter esse apoio nos deixa mais à vontade. Cada dia é um aprendizado, entendendo como fazer, a dinâmica de funcionamento até o final”, acrescenta Adriano.
Aprovação
Em todos os dias de shows, o Camarote da Acessibilidade no Arraiá do Povo está lotado com Pessoas com Deficiência aproveitando as apresentações e, por conta da presença dos intérpretes, a comunidade surda está sempre presente, sentindo-se parte incluída no evento. É o caso de Maria José Carvalho, que é autista e surda. Em Libras, ela relata sua alegria com o processo de inclusão.“Gosto muito de curtir, mas sou surda, não escuto nada, e, com o intérprete, consigo entender tudo. Adoro dançar, adoro forró, e estar aqui nesse Camarote da Acessibilidade é muito bom. Eu me sinto parte dessa festa”, relata.
Lara Neves, que também é pessoa com deficiência, ressalta que o Arraiá do Povo ajuda a representar a mudança de paradigma sobre a causa. “A importância dos intérpretes é muito grande, para que a comunicação seja feita para todas as pessoas. É uma festa maravilhosa aqui, e toda a estrutura pensada para que possamos aproveitar. Antes a comunicação não chegava para todos, e hoje é necessário que isso aconteça", considera.
O trabalho dos intérpretes também acontece dentro dos camarotes, com profissionais disponíveis para auxiliar pessoas surdas, em caso de qualquer necessidade. Uma destas profissionais é Joyci Fernandes, que pontua a importância deste trabalho com o contato direto. “Aqui no Camarote, acontece da mesma forma, pois eles conseguem ter um acesso maior. Além do Camarote ser privilegiado com a visão ampla, eles se sentem importantes. Isso faz parte de todo esse esforço do Governo do Estado, da Assistência Social, com a estrutura e os intérpretes, para fornecer a melhor experiência para eles”, completa.
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