Em todo canto de Sergipe, as manifestações culturais dão o tom da rotina social e, em cada uma dessas manifestações, pessoas se tornam referência para a história do estado, tanto pelo seu legado quanto pela relevância de sua arte. Foi, justamente, para homenagear e deixar registrada a importância desses nomes para a cultura sergipana que o Governo do Estado lançou, em 2024, o Programa de Registro de Patrimônio Vivo da Cultura Sergipana, a Lei dos Mestres, que valoriza e incentiva personalidades da cultura e da história do estado.
O reconhecimento dos Mestres da Cultura representa um avanço fundamental na valorização dos saberes tradicionais do nosso estado. Segundo o presidente da Fundação de Cultura e Arte Aperipê, Gustavo Paixão, esses mestres são guardiões da memória cultural de Sergipe. “E esse reconhecimento oficial por parte do Governo do Estado é uma forma de garantir que seus conhecimentos e práticas continuem vivos e sejam transmitidos às novas gerações”, enfatiza o gestor.
Com o programa, o governo visa preservar e impulsionar pessoas e grupos que mantêm viva a produção e a continuidade de aspectos importantes das expressões culturais sergipanas. Os mestres reconhecidos recebem o direito ao uso do título de Patrimônio Vivo da Cultura Sergipana, uma bolsa mensal de incentivo equivalente a dois salários mínimos e prioridade na análise de projetos culturais. Em compensação, os beneficiados participam de programas de ensino e aprendizagem, e o Governo do Estado pode usar os conhecimentos dos participantes para fins de documentação e divulgação da cultura popular sergipana.
São mestres como Antônio Modesto, conhecido como Tonho Preto, que, aos 7 anos, se encantou com o som da zabumba e da gaita produzido pela festa de Nossa Senhora da Penha e tomou uma decisão: quando crescesse, seria instrumentista. Hoje, com 84 anos, mantém o Grupo de Pífano de Santo Antônio há mais de 60 anos em Boquim, cidade do sul do estado. Para ele, o reconhecimento promovido pela gestão vai além do simbolismo e faz diferença em sua vida na prática.
“Eu não esperava ganhar esse título de mestre, mas veio e fiquei muito feliz. Até me assustei porque não imaginei que uma pessoa como eu, que trabalhou até os 82 anos, seria reconhecida desse jeito. Me sinto artista, e eu digo: sou artista. Também tem a bolsa, que me ajuda, e consigo ajudar a família também”, declara ele, que há seis décadas também organiza cavalgadas em Boquim e a Missa do Vaqueiro do Povoado Céu, localizado no município.
Tonho Preto ressaltou que os recursos têm contribuído, ainda, para assegurar as apresentações do Grupo de Pífano de Santo Antônio e para apoiar as expressões locais de arte e cultura. “Antigamente, eu tinha de comprar os fardamentos com o meu dinheiro. Agora, se precisar de um chapéu, de mais fardamento, eu vou lá e compro. Também fizemos o Festival Mãe Joana Preta, que tem o nome da minha mãe e que, enquanto eu for vivo, a gente vai sustentar. Tem sido muito bom”, declara.
Cultura viva
A cerca de 27 quilômetros de Boquim, em Estância, também no sul sergipano, vive outra beneficiada pela Lei dos Mestres. Importante figura da cultura do estado, a artesã Josefa Maria Santos de Assunção, conhecida como Dona Zefinha. Ela é mestra e fundadora da Batucada Busca-pé, grupo que está em atividade desde 1985 e já se apresentou em diversas partes do estado e do Brasil. Aos 82 anos, até hoje ela é responsável por confeccionar as vestimentas, tamancos e acessórios utilizados pelos integrantes da batucada, manifestação popular tradicional dos festejos juninos de Estância.
Dona Zefinha revelou ter ficado sem palavras quando descobriu que havia sido uma das selecionadas pelo Programa de Registro de Patrimônio Vivo da Cultura Sergipana. O sentimento de reconhecimento foi intenso, segundo ela. “Fiquei muito feliz porque há mais de 40 anos que venho nessa luta. Isso não é pouco tempo. Foi um benefício não só para mim, mas, também, para outras pessoas que seguem lutando. A costura é minha vida. A batucada é minha vida”, conta.
A iniciativa veio em um momento importante na vida dela. A aposentadoria que Dona Zefinha recebia do marido, já falecido, foi suspensa, o que afetou o pagamento de custos relacionados à saúde. “Então, foi um presente de Deus. E isso também vai ajudar outros artesãos, artistas, que não têm outra fonte de renda”, complementa.
Outra relevante figura da cultura sergipana beneficiada pela Lei dos Mestre é Josué Roberto Freitas, conhecido dentro e fora de Sergipe como Beto Pezão. Natural de Santana do São Francisco, município da região do Baixo São Francisco, ele esculpe em barro desde os 6 anos de idade, e ficou conhecido pelas esculturas de pessoas com pés grandes e elementos estéticos ligados ao Sertão nordestino. Em 1970, as peças começaram a ser vendidas em Aracaju, onde ele mora há mais de 50 anos, e depois ganharam o Brasil e o mundo.
As obras em barro são produzidas em um ateliê acoplado à residência de Beto Pezão, localizada no Bairro Cidade Nova, na capital sergipana. Ele ressaltou a importância do programa para as futuras gerações. “Toda área precisa de investimento, de valorização. Então, eu agradeço muito pelo reconhecimento à minha atuação artística e de outros que tanto fazem, com a bolsa que ajuda bastante. Isso é algo que tem melhorado muito”, sublinha ele, cujo trabalho é apreciado em vários estados brasileiros e países como Chile, Portugal, Estados Unidos, México, Argentina e Uruguai.
Contemplados
Além dos mestres Tonho Preto, Dona Zefinha e Beto Pezão, também foram beneficiados pela Lei: Marilene dos Santos Moura, a ‘Mestra Marilene’, do Reisado São José, no Povoado São José, em Japaratuba; Rosualdo da Conceição, o ‘Mestre Diô’, coordenador do grupo de Samba de Coco do Mosqueiro; Josefa Santos de Jesus, a ‘Finha de Zé de Totó’, mestra da Dança de Roda do Quilombo Sítio Alto, em Simão Dias; Marizete Lessa, a ‘Mãe Marizete’, candomblecista mais antiga de Sergipe; Severo D’Acelino, integrante da fundação do Movimento Negro contemporâneo em Sergipe. É fundador e coordenador-geral da Casa de Cultura Afro Sergipana; Maria Madalena Santos, a ‘Tia Madá’, mestra do Samba de Coco da Ilha Grande, em São Cristóvão; Orlando Félix da Cruz, o ‘Orlando do Couro’, artesão de couro há mais de 40 anos em Poço Redondo.
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