A cidade de Santana do São Francisco, distante 110km de Aracaju, viveu um momento histórico nesta segunda-feira, 14. Conhecida como a capital sergipana do artesanato em barro, Santana acompanhou o resultado da primeira queima no forno modelo, desenvolvido a partir de uma construção coletiva orientada pelo professor e pesquisador Nicodemos Farias, de Brasília. A iniciativa, promovida pelo Governo de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo (Seteem), busca oferecer uma alternativa mais sustentável para a produção da cerâmica, garantindo mais segurança à saúde dos artesãos e reduzindo os impactos ambientais.
O forno modelo começou a ser construído no dia 4 de abril, dentro da programação ‘I Seminário Estadual de Artesanato em Cerâmica’, realizado em Santana do São Francisco, em parceria com a Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap), a Prefeitura Municipal local e a Fecomércio. Um dos principais focos do evento era justamente a busca de alternativas para a queima do barro vermelho, característico da região.
A equipe técnica da Seteem acompanhou de perto todo o processo de mobilização, construção e a primeira queima do forno, com o intuito de avaliar a compatibilidade do novo sistema de queima com o modo tradicional que os artesãos ainda utilizam. “Mesmo que adaptado a um sistema de queima diferente do convencional, chamado tecnicamente de forno de chama invertida, o sistema construtivo é simples e os materiais empregados não fogem da realidade da cidade”, disse Alan Oliveira, arquiteto da equipe da Seteem.
O primeiro forno foi construído em regime de mutirão, com a participação ativa dos próprios artesãos e pedreiros da região, com o objetivo de capacitá-los e prepará-los para a construção de novos fornos no futuro. “A equipe de projeto da Seteem, juntamente com o professor Nicodemos, está desenvolvendo um manual do forno com os desenhos para construção e a relação de materiais utilizados”, completou Alan.
Atualmente, dezenas de olarias espalhadas por Santana do São Francisco ainda liberam grandes quantidades de fumaça no ar, gerando queixas por parte da população. “Sobre a saúde da população aqui de Santana, creio que melhorará bastante, porque não haverá uma fumaça se espalhando em uma altura baixa, como nos fornos usados aqui. Agora haverá uma chaminé e ela arrastará a fumaça para o alto. As queixas, que o povo reclamava muito e dizia que levaria para a Justiça por causa da fumaça que estava entrando na casa deles, prejudicando a saúde deles, acabarão. Queriam impedir a nossa produção. Esperávamos uma solução e creio que chegou”, comentou o artesão Francisco Cleverton.
A fuligem da queima, além de poluir o meio ambiente e gerar reclamações, é inalada em grandes quantidades pelos artesãos, que enfrentam também o risco à saúde causado pelo calor extremo dos fornos tradicionais. “O processo (com o forno modelo) é muito melhor do que o outro forno em que a gente queimava, porque no outro a gente pegava muito calor na boca do forno. Nesse aqui nós temos uma proteção, porque ele está na flor da terra, em cima da terra, e temos como nos proteger ao lado para jogar a lenha e não vamos ser aquecidos”, informou Francisco.
Os resultados da primeira queima já chamaram a atenção de quem vive o dia a dia das olarias. Para o artesão Alessandro Bispo, o forno modelo está aprovado. “ A gente tem uns fornos aqui na cidade que, quando estão na queima, ninguém aguenta ficar dentro de casa. É desumano. Com esse outro forno é outra coisa. Ele está mais do que aprovado. A qualidade do barro, mais bem queimado, é totalmente diferente. E a cor ficou muito bonita, diferenciada”, opinou Alessandro Bispo.
Diagnóstico do especialista
O ceramista e pesquisador Nicodemos Farias, de Brasília, trouxe sua experiência de mais de 40 anos em diferentes técnicas de produção para colaborar com os artesãos de Santana do São Francisco. Durante sua visita à cidade, ele apresentou um novo modelo de forno que reduz significativamente os impactos à saúde durante o processo de queima da cerâmica. Com o apoio da comunidade, Nicodemos orientou a construção do forno modelo, que será replicado em outras olarias da região. O forno foi instalado no Sítio Cerâmica de Edson Marques, artesão da região, local que futuramente abrigará a associação dos artesãos locais, marcando o início de uma nova etapa na produção artesanal da cidade.
“A minha experiência com o pessoal de Santana do São Francisco foi uma coisa que me surpreendeu”, disse o ceramista, que ficou impressionado com a força de um grupo que segue mantendo viva a tradição do barro. Pensada a partir da realidade local e construída com materiais acessíveis, como tijolo e a própria argila da região, a estrutura do novo forno (com cúpula fechada e chaminé alta) traz benefícios diretos para a saúde dos artesãos e a qualidade das peças.
“O forno é feito de um material que eles usam muito, que é o tijolo, mais a argila local, a terra argilosa, só que ele tem uma forma diferente. Ele tem uma cúpula fechada e chaminé bem alta, que vai trazer muito conforto para eles, ou seja, diminuirá sensivelmente a fumaça. Vai ser mais confortável de queimar. A posição de jogar lenha é muito melhor e o fato de ele ser fechado em cima, fará com que as peças fiquem melhor queimadas e aumentando a temperatura da queima”, pontuou o especialista.
Peças mais resistentes
O aumento da temperatura de queima significa que as peças ficarão mais resistentes e mais homogêneas. “A mudança de cor, comentada pelos artesãos, se deve ao aumento da temperatura da queima. Quanto mais alta a temperatura, mais clara a peça será. E os barros mais claros tendem a ser mais resistentes”, pontua o especialista.
Outro detalhe introduzido pela técnica trazida pelo pesquisador foi o uso do termômetro, o que possibilita a leitura do que está acontecendo dentro do forno. “E, dessa forma, eles não vão mais perder peças, porque elas serão desidratadas devidamente. O que faz estourar as peças é a água que tem na parede da peça, mas como agora eles vão poder acompanhar a temperatura inicial, conseguirão retirar toda a água da peça e não vão perder mais nada”, concluiu Farias.
Nicodemos acredita que o trabalho desenvolvido pela Seteem trará um retorno imediato no ganho na qualidade de vida dos artesãos locais e na qualidade das peças. “É um trabalho que me traz muita satisfação: deixar um equipamento que vai melhorar a vida de todos eles”, finalizou.
Ações estratégicas
Inicialmente, a Secretaria de Estado do Trabalho tinha no seu planejamento estratégico de implementação de políticas para a melhoria da produção da cerâmica de Santana do São Francisco a criação de um espaço com fornos elétricos coletivos. A proposta faz parte de um plano em desenvolvimento pela Seteem, com foco em promover uma produção mais ecologicamente sustentável, economicamente viável e que preserve a saúde dos artesãos.
Com a escuta da população local e a experiência da construção coletiva do forno modelo, a estratégia da Secretaria foi tomando um novo rumo, que preserva as tradições locais e atende às necessidades dos artesãos. “Ao promover a escuta atenta e o diálogo com os artesãos de Santana do São Francisco, deixamos de lado ideias pré-concebidas e nos aprofundamos naquilo que realmente importa: compreender os saberes, os desafios e os anseios de quem vive da cerâmica. Descobrimos, assim, que o que eles precisam são de fornos a lenha reconstruídos com responsabilidade ambiental e melhores condições de trabalho, uma solução que respeita a tradição, protege a saúde e cuida do meio ambiente”, destacou Jorge Teles.
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