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Senhor B: o bombardeiro que lançou a bomba atômica e inspirou a Millennium Falcon.

Senhor B: o bombardeiro que lançou a bomba atômica e inspirou a Millennium Falcon.

09/04/2025 às 15h00
Por: Redação Fonte: Aero Magazine
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Senhor B: o bombardeiro que lançou a bomba atômica e inspirou a Millennium Falcon.

Senhor B: o bombardeiro que lançou a bomba atômica e inspirou a Millennium Falcon.

 

A Saga do boeing B-29 superfortress, o superbombardeiro responsável pelo fim da segunda guerra com o lançamento das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.

"De todas as cidades importantes do Japão apenas duas - Kyoto e Hiroshima - ainda não haviam recebido a visita de B-san, ou sr. B, tratamento que, com um misto de respeito e triste familiaridade, os japoneses dispensavam ao B-29; como todos os seus vizinhos e amigos, o sr. Tanimoto estava quase doente de ansiedade. [...] corriam boatos de que os americanos preparavam algo especial para a cidade", narra John Hersey em seu livro-reportagem Hiroshima (Companhia das Letras), dando uma ideia do temor imposto pelo bombardeiro Boeing B-29 Superfortress às linhas inimigas no final da Segunda Guerra Mundial.

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Símbolo do apocalipse e ícone da supremacia aérea dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o B-29 Superfortress transformou-se em muito mais do que um bombardeiro. Foi o mensageiro de um novo tempo, o prenúncio do poder atômico e o fantasma que sobrevoava cidades japonesas trazendo morte e destruição.

A história do avião que lançou as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki é também a narrativa da engenharia levada ao limite, das decisões políticas que moldaram o mundo e do impacto irreversível da guerra moderna sobre a humanidade.

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"A sra. Nakamura observava o vizinho quando um clarão de um branco intenso, de um branco que nunca tinha visto até então, iluminou todas as coisas. [...] mal deu um passo (encontrava-se a 1.215 metros do centro da explosão), alguma coisa a levantou e a fez voar até o cômodo contíguo, em meio a partes de sua casa.

Quando ela aterrissou, tábuas caíram a seu redor, e uma chuva de telhas a cobriu. Tudo escureceu. [...] Ouviu uma das crianças gritar 'Mamãe, socorro!' e viu a caçula Myeko, de cinco anos, enterrada até o peito e incapaz de se mexer. Enquanto abria caminho com as mãos, freneticamente, para acudir a menina, não escutou nem avistou o menor sinal dos outros filhos".

O projeto para construção da primeira bomba nuclear começou em 1942 e recebeu o codinome "Manhattan". Os testes foram conduzidos ao longo de dois anos em Los Alamos, Estado do Novo México, e os engenheiros que participavam das pesquisas sabiam que uma arma letal como aquela não só neutralizaria a força dos inimigos do Eixo como também, certamente, reduziria o tempo da guerra, poupando, assim, a vida de milhares de civis ao redor do mundo.

Contudo, levar adiante um projeto como aquele era uma medida um tanto delicada e exigiu ponderação por parte do então presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt – que morreu antes da finalização do projeto. Não menos difícil foi autorizar o uso do armamento sobre o Japão, decisão que coube a seu sucessor, o presidente Harry Truman. Para os norte-americanos, a insistência japonesa na manutenção da guerra abriu um precedente para que o país utilizasse a bomba como um meio para pôr fim ao conflito.

O comandante escalado para a missão foi o coronel Paul Warfield Tibbets, líder de um grupamento vitorioso de bombardeiros B-17 na Europa. Tido como excelente aviador, Tibbets fora escalado para transportar Dwight David Eisenhower, comandante supremo dos Aliados, durante a operação africana "Tocha", realizada em novembro de 1942.

Quase dois anos depois, em setembro de 1944, Tibbets conheceu o capitão da marinha William "Deak" Parsons, engenheiro de projeto balístico do projeto "Manhattan" com quem manteve relacionamento estreito durante 11 meses até o lançamento da primeira bomba atômica.

Marcas sobre o chão

Explosão em Hiroshima
Há relatos de que a nuvem em forma de cogumelo da bomba de Hiroshima pôde ser vista a até 720 km — embora essa distância seja contestada por especialistas | Foto: USAF

No dia 6 de agosto de 1945, às 2h45 (horário local), o B-29 (s/n 44-86292) pertencente ao 509º Grupamento Aéreo, que ostentava o nome de batismo "Enola Gay" – homenagem à mãe de Tibbets – decolou da base aérea da Ilha Tinian, uma das três pertencentes ao arquipélago das Marianas, no Oceano Pacífico, rumo a Hiroshima.

A bomba pesava 4.400 quilos, o que deixou a aeronave com sobrepeso para a decolagem, mas alguns metros a mais de pista foram suficientes para que o quadrimotor deixasse o solo. O bombardeiro voou durante seis horas e meia sem qualquer tipo de problema técnico até que, às 8h15min17seg (hora local), o major Thomas Ferebee comandou o lançamento do "Little Boy", ou "pequeno garoto", artefato que media apenas três metros de comprimento, porém possuía grande poder destruidor, com força equivalente à de 12.500 toneladas de TNT.

Pouco antes, o copiloto Robert Lewis disse "Haverá uma pequena interrupção nas transmissões quando a bomba explodir". Apenas 43 segundos depois, a "Little Boy" explodiu sobre a ponte Aioi matando de 70.000 a 80.000 pessoas instantaneamente e causando danos estruturais em 90% da cidade.

Perto do ponto do impacto, pessoas foram simplesmente desintegradas, restando apenas marcas sobre o chão. Calcula-se que 242.437 habitantes de Hiroshima e arredores tenham perdido a vida, incluindo aqueles que estavam na cidade quando a bomba explodiu e os que morreram de câncer por conta da exposição às cinzas nucleares.

O impacto da explosão criou uma grande esteira de turbulência, que atingiu o "Enola Gay" a 30 mil pés de altitude. Nem uma manobra em curva de 155 graus executada por Tibbets impediu que a aeronave fosse atingida pela esteira. O "cogumelo" da hecatombe nuclear passou de 45 mil pés (13.500 metros) de altura e exista quem diga que pode ser visto a uma distância de 400 milhas náuticas (720 quilômetros)*. O que não impediu o B-29 de prosseguir em segurança para o seu destino final. A bordo, Tibbets decretou, em voz alta: "Meus caros, nós acabamos de lançar a primeira bomba nuclear da história". Já o navegador Theodore Van Kirk preferiu desabafar: "Obrigado, Deus! A guerra acabou e eu não correrei mais risco de ser derrubado. Agora posso ir para casa".

* Nota do editor: Ver uma coluna de fumaça a olho nu a essa distância é altamente improvável por causa da curvatura da Terra e da atmosfera

Nagasaki entra na mira

O que Kirk não previa é que os japoneses só se renderiam após o lançamento da segunda bomba atômica no dia 9 de agosto de 1945, esta sobre Nagasaki. O alvo primário seria Kokura, mas a cidade estava totalmente encoberta por nuvens.

Os militares norte-americanos escalaram o B-29 s/n 44-27297, batizado "Bockscar", para a missão. A bomba a ser lançada recebeu o nome de "Fat Man", ou "homem gordo". Às 11h02 (hora local), uma abertura de última hora nas nuvens sobre Nagasaki permitiu ao artilheiro Kermit Beahan estabelecer contato visual com o alvo e liberar a arma letal, que explodiu sobre o vale industrial da cidade e matou 40 mil habitantes instantaneamente, deixando outros 60 mil feridos e com sequelas por envenenamento radioativo.

Fortaleza pressurizada

B-29
Inicialmente os B-29 foram pintados de verde, mas a camuflagem se mostrou desnecessária devido ao perfil de voo em grandes altitudes e bases distantes da ameaça inimiga

O bombardeiro Boeing B-29 Superfortress é uma aeronave que mexe com o imaginário das pessoas. Concebido durante os dias mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, o B-29 tornou-se o primeiro bombardeiro pressurizado da Força Aérea do Exército dos EUA (USAAF, na sigla em inglês). Sua versão "A" podia subir a 36.150 pés (10.845 m), com autonomia de até 5.830 milhas náuticas (10.494 km) – nos voos de traslado – e velocidade máxima de 576 km/h.

O bombardeiro da Boeing foi o maior avião produzido durante a Segunda Guerra e trazia a nova asa do modelo 117, concebida pelo engenheiro George Schairer e dotada de flapes do tipo Fowler, que possibilitava a operação em pistas curtas, sem prejudicar a boa autonomia da aeronave.

Outra novidade foi a introdução de torres de metralhadoras operadas por controle remoto a partir de uma estação localizada na parte traseira da aeronave. De lá o operador tinha uma visão dos armamentos graças a um sistema de periscópio.

Duas torres foram instaladas na parte superior da fuselagem e duas, na seção inferior. Na cauda, o oficial "caçador" trabalhava com duas metralhadoras e um canhão de 20 milímetros. Posteriormente, nas missões em baixas altitudes, as metralhadoras radiocontroladas foram removidas, com exceção do armamento traseiro, com o intuito de livrar a aeronave de peso indesejado e, dessa forma, poupar um pouco mais de combustível.

O B-29 contava com dois compartimentos de bombas, sendo um à frente da longarina e o outro atrás dela. O oficial encarregado de soltar as bombas deveria ter o cuidado de equilibrar os pesos, caso contrário, poderia tornar a pilotagem da aeronave extremamente crítica.

Cockpit B-29
Detalhe do cockpit do B-29 e sua grande área envidraçada, que inspirou a criação do design da Millennium Falcon, em Star Wars | Foto: USAF

 

A tripulação técnica e o bombardeador ocupavam o mesmo casulo pressurizado na dianteira da aeronave e, para caminhar às seções traseiras, era necessário percorrer um duto bem estreito, erguido sobre o compartimento das bombas, que não era pressurizado. Os primeiros aviões foram pintados de verde-oliva claro e cinza, mas depois passaram a sair da fábrica em prata polido, já que a camuflagem deixou de ser necessária em suas missões.

Assento piloto B-29
Detalhe da posição do piloto do B-29 | Foto: USAF

 

Console Engenheiro de Voo do B-29
Console do engenheiro de voo do B-29 | Foto: USAF
B-29
A última missão em combate dos B-29 ocorreu durante a Guerra da Coreia | Foto: USAF

O B-29 iniciou suas operações em maio de 1944 a partir de bases localizadas na Índia, executando rides rumo ao Pacífico para lançamento de bombas a altas altitudes. Porém, a partir de março de 1945, os B-29 passaram a realizar missões em níveis mais baixos, lançando bombas incendiárias e, mais tarde, as bombas atômicas que causaram a destruição maciça das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Depois da guerra, ainda na década de 1940, os quadrimotores perderam espaço para aviões mais modernos, em especial para os grandes bombardeiros de seis motores Convair B-36 "Peacemaker". A derrocada final viria em junho de 1955, quando o primeiro jato B-52 Stratofortress foi entregue à USAF.

De qualquer maneira, os números do B-29 ainda impressionam: nada menos do que 3.970 bombardeiros foram construídos e os Estados Unidos só não produziram mais desse avião porque todos os contratos para fabricação do B-29 foram encerrados em setembro de 1945, assim que foi assinada a rendição japonesa.

A última aparição do B-29 em cenário de guerra aconteceu entre 1950 e 1953, durante a Guerra da Coreia. O modelo, porém, já estava obsoleto. Era lento diante de caças a jato, particularmente o soviético MiG-15, que podia subir a 48.000 pés (14.500 metros) com velocidade próxima a Mach 1.0.

Pelo menos 34 unidades do B-29 foram derrubadas, sendo 16 deles pelos MiG, o que obrigou a força aérea norte-americana (USAF) a direcioná-los somente para missões noturnas.

Ainda assim, o B-29 marcou sua presença, com 167.000 toneladas de bombas lançadas, incluindo as dos modelos "Razon" e "Tarzon", que eram radiocontroladas, e destruíram muitas represas e pontes importantes, principalmente sobre o Rio Yalu, na divisa entre a Coreia do Norte e a República Popular da China.

Até setembro de 1960, o quadrimotor ainda executou várias missões, incluindo reabastecimento, patrulha marítima, resgate, entre outras. E não só em sua versão original, mas também com alguns modelos derivados.

Na Inglaterra, a Royal Air Force arrendou 88 unidades do B-29 que operaram até 1955, quando se iniciou o processo de phaseout. Esses aviões receberam a denominação "Washington Bomber Mark I" e foram substituídos pelos bombardeiros a jato "Canberra".

Tu-4 a cópia soviética do B-29

Tupolev Tu-4
Tupolev Tu-4 foi uma cópia fiel do B-29 feita pela União Soviética | Foto: Edmundo Ubiratan

 

Já na União Soviética, o bombardeiro não pôde ser arrendado, obrigando as autoridades da "cortina de ferro" a copiar a aeronave. Lá o bombardeiro recebeu a designação Tupolev Tu-4 "Bull". Dizem os historiadores que três B-29 teriam realizado pouso de emergência na União Soviética em 1944 e que, por ordem do premier Joseph Vissarionovich Stalin, teriam sido incorporados pela Tupolev OKB para serem desmontados e utilizados como referência para o desenvolvimento de uma cópia do bombardeiro. Desses B-29, apenas um acabou em pedaços enquanto os outros dois passaram a ser utilizados para avaliação de performance e treinamento de tripulações.

Um total de 847 Tu-4 foram produzidos, trazendo como diferencial os quatro motores Shvetsov ASh-73 no lugar dos Wright R-3350 Duplex-Cyclone utilizados nos aviões norte-americanos, e um sistema de armas de fogo adaptado para trabalhar com os canhões soviéticos do tipo Nudelman-Suranov NS-23. A Tupolev também criou um avião para transporte de passageiros, o Tu-70, mas o programa acabou cancelado com apenas um protótipo construído.

O B-29 ainda participou das primeiras missões do que seria o início da corrida espacial no lado norte-americano. O quadrimotor recebeu adaptações para transportar sob seu compartimento de bombas o jato experimental Bell X-1, que era lançado a 20.000 pés (6.000 metros) para que pilotos da força aérea tentassem quebrar a barreira do som. O feito acabou acontecendo em 14 de outubro de 1947, nas mãos do ás Chuck Yeager.

Motor em chamas

B-29
Ao todo 3.970 bombardeiros B-29 foram construídos 

 

Os estudos para construção de um superbombardeiro pressurizado foram iniciados pela Boeing um ano antes do início da Segunda Guerra, em 1938, atendendo a pedidos da USAAC (United States Army Air Corps), que antecedeu a USAAF, criada em 1941.

Esboços foram feitos a partir do projeto do bombardeiro B-17 "Flying Fortress", e a nova aeronave, em princípio, tinha como única designação "Modelo 334". A Boeing investiu pesado, sem receber qualquer tipo de auxílio governamental por um bom tempo. Somente em 14 de junho de 1940 teve o sinal verde do governo norte-americano, que emitiu um cheque no valor de US$ 85,6 mil assinado pela Air Corps com aval do Departamento de Guerra.

O "Modelo 334", que já havia evoluído para "Modelo 345", rebatizado Boeing XB-29, recebeu encomenda inicial para dois protótipos, além da estrutura de uma terceira aeronave que seria utilizada para testes estáticos.

Nem tudo foram rosas no desenvolvimento do avião. Atrapalharam o cronograma de lançamento problemas técnicos identificados nos voos de teste e dificuldades para montagem das aeronaves, que dependia de componentes produzidos por parceiros comerciais de diferentes localidades.

O transporte naquela época era difícil e se complicava no inverno em razão das fortes nevascas. E não havia apenas uma linha de produção, mas, sim, quatro: uma em Renton, no Estado de Washington; uma segunda em Wichita, Kansas; e duas pertencentes aos parceiros Bell-Atlanta, com a fábrica localizada em Marietta, na Georgia, e a Martin, com instalações erguidas em Omaha, no Estado de Nebraska.

Os motores Wright R-3350 Duplex-Cyclone também impuseram várias noites de insônia para os engenheiros da Boeing. Em um grave acidente que envolveu o segundo protótipo, em 18 de fevereiro de 1943, um dos motores superaqueceu e pegou fogo. Sem conseguir controlá-lo, a tripulação executou aproximação de emergência para a pista do aeroporto de Boeing Field, em Seattle.

"Tenham o equipamento contra incêndio pronto. Estou vindo com uma asa em chamas!", alertou à torre de controle o piloto de testes Edmund T. "Eddie" Allen, um aviador extremamente experiente, que havia realizado o voo de début do primeiro protótipo do XB-29 em 21 de setembro de 1942.

Mas a aeronave não conseguiu chegar ao aeroporto e caiu sobre as instalações de um frigorífico (Frye Packing Plant), matando todos os membros da tripulação, além de outras 19 pessoas em terra, entre funcionários do edifício e membros do corpo de bombeiros. Só não foi pior porque o desastre ocorreu na hora do almoço e muita gente do frigorífico estava ausente. Outros dois membros da equipe chegaram a saltar de paraquedas antes do choque, mas não sobreviveram.

Na época, o acidente ganhou a mesma repercussão negativa junto à mídia daquela que teve a explosão do ônibus espacial Challenger, em 1986. Mas com o empenho da Boeing e mesmo de outras esferas ligadas às forças armadas, os motores sofreram as alterações necessárias e a aeronave tornou-se viável. Não por acaso os Wright R-3350 chegaram a ser utilizados posteriormente em outros aviões, incluindo os modelos comerciais Lockheed Constellation e Douglas DC-7.

Esses motores radiais eram compostos por 18 pistões e liberavam até 2.500 hp na versão 57, que equipavam os B-29 da série "A". Motores mais potentes, do modelo Pratt & Whitney R-4360-35 (3.500 hp), foram incorporados aos B-50 das séries "A" e "D", modelos aprimorados construídos a partir do projeto do B-29, que chegariam à força aérea somente após o final da Segunda Guerra.

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