Viagens aéreas são consideradas a forma mais segura de atravessar longas distâncias. Do ponto de vista puramente estatístico, o trajeto até o aeroporto é mais perigoso para os viajantes do que o próprio voo. Porém, quando uma aeronave cai, como o voo 171 da Air India, na quinta-feira, 12, falar de estatísticas tem pouco sentido.
O acidente fez pelo menos 279 vítimas, das quais 241 ocupantes do voo (um sobreviveu) e 38 em terra. Foi a primeira perda total de uma nave do tipo Boeing 787-8. Paralelamente às perdas humanas, as consequências econômicas são também vastas. Pois, além de lucratividade e compatibilidade ambiental, a segurança dos passageiros é o critério de venda decisivo para um avião comercial.
Durante décadas, a americana Boeing foi a principal fornecedora da aviação civil, mas nos últimos anos seus negócios não têm corrido tão bem, com prejuízos frequentes. Em 2024, com 170 mil empregados e um faturamento de 66,5 bilhões de dólares (R$ 369 bilhões), ela acusou perdas operacionais de quase 13 bilhões de dólares.
A essa altura, a fabricante europeia Airbus já havia ultrapassado a americana no segmento de passageiros. Também em 2024, a empresa de 160 mil funcionários, sediada em Leiden, Holanda, registrou um faturamento de 69,2 bilhões de euros (R$ 444 bilhões), com lucro operacional de 5 bilhões de euros. Os números de entregas de aeronaves de passageiros também falam por si: a Airbus tem a dianteira e vai ampliando sua vantagem.
No entanto, cifras de produção e venda de veículos para a aviação civil têm representatividade limitada, pois ambas as multinacionais também atuam no segmento aeroespacial e são fabricantes de armamentos, o que dificulta uma comparação direta.
A arte de enterrar gigantes
A queda do voo 171 da Air India é apenas o capítulo mais recente no histórico negativo da Boeing, que nos últimos anos tem saltado de uma pane para a outra. O melhor exemplo dessa tendência, especialmente na comparação com a Airbus, é a forma como cada uma lidou com o avião de maior porte em seu catálogo.
Para a europeia, esse era o A380, cuja introdução forçou aeroportos de todo o mundo a adaptarem suas infraestruturas, já que o tamanho dos terminais e capacidade de processamento existentes não bastavam. Devido a seus dois motores adicionais, a manutenção do veículo era também mais cara.
Além disso, é difícil lotar aviões com grande número de assentos (no A380, são de 500 a 850), o que torna difícil calcular sua viabilidade econômica. Quando ficou claro que a nave era grande e custosa demais para várias linhas aéreas, em 2021 a Airbus suspendeu a produção do gigante.
Com a Boeing, a história foi diferente: ela havia suspendido a produção e venda do lendário Jumbo 747, que se tornara anacrônico. Contudo, para reagir ao A380, ela decidiu apostar num novo concorrente de longa distância, desenvolvendo, a partir do 767, o novo 787, apelidado “Dreamliner”.
Mas esse “avião dos sonhos” se revelou um pesadelo: tudo o que podia dar errado, deu. Enquanto a Airbus retirava discretamente de linha seu A380, o Boeing 787 fazia manchetes negativas: dificuldades com novos materiais compostos, problemas de comunicação com os fornecedores, voos de teste cancelados, voos inaugurais adiados, as datas de entrega não puderam ser cumpridas.
Por fim, houve até proibições de voo: em 2013, quando os primeiros modelos já estavam em ação, houve incêndios em dois aviões devido a problemas com as baterias.
Entra em cena a China
Na competição entre os dois conglomerados, que data desde a criação da Airbus no ano 2000, sob o nome Eads, as rodadas continuam se sucedendo, envolvendo também a Organização Mundial do Comércio (OMC). Um elemento complicador é que ambas também atuam na aviação espacial e, acima de tudo, no setor armamentista.
No ranking global dos armamentos, contudo, apesar de serem “big players”, nenhuma das duas ocupa as primeiras posições: a Boeing está em sexto lugar, bem à frente da Airbus, no 13º. Nesse setor, ambas dependem de encomendas estatais, que não só envolvem pesquisa e desenvolvimento: os governos são também os principais clientes.
Entre os concorrentes, a companhia brasileira Embraer se restringe a aeronaves menores; a canadense Bombardier atualmente serve apenas o mercado de nicho dos jatos particulares. No entanto a China desenvolveu-se num dos maiores mercados de aviação do mundo, e ostenta uma fabricante respeitável, a Commercial Aircraft Corporation of China Ltd. (Comac), cofundada pelo governo chinês em Xangai em 2008.
Em 2015 foi apresentado o C919, primeiro bijato de passageiros inteiramente construído no país. Juntamente com o conglomerado de aviação e armamentos russo OAK, a Comac pretende construir até 2028 a versão para longas distâncias, o C929. Pelo menos até aí, a concorrência no mercado de aeronaves de fuselagem larga civis se restringirá às protagonistas dos EUA e da Europa.