A Polícia Militar afirmou que 'o suspeito investiu contra os policiais e tentou tomar a arma de um dos agentes'. O suspeito está internado há dois meses e corre risco de morte, conforme a família dele.
Policiais militares que participaram de uma prisão de um homem em surto, em Fortaleza, no dia 1º de fevereiro deste ano, são investigados pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos da Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) por excesso na ação policial. Os PMs deram socos, chutes e tiros no suspeito, como mostram vídeos obtidos pela reportagem.
A Polícia Militar do Ceará (PMCE) respondeu que o suspeito "estava agredindo várias pessoas, incluindo seu pai, além de danificar um veículo", no bairro Conjunto Ceará. Segundo a Corporação, "o suspeito investiu contra os policiais e tentou tomar a arma de um dos agentes". Um PM foi lesionado pelo suspeito e várias equipes policiais "foram mobilizadas para conter o agressor".
Carlos Fábio Mendonça de Araújo, de 37 anos, servidor público dos Correios, tem transtornos psicológicos, segundo a família. Ao ser agredido e baleado pelos policiais, ele foi levado a um hospital, onde contraiu uma bactéria. Dois meses e duas semanas depois, ele está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular, em quadro grave, ainda sob escolta policial.
Os vídeos recebidos pelo Diário do Nordeste mostram os policiais correndo atrás de Carlos Fábio e o abordando, para realizar a prisão. Mas também revelam que os PMs efetuaram tiros nas costas e socos no rosto do suspeito, além de chutes enquanto ele já estava rendido por vários policiais e deitado no chão.
Uma familiar de Carlos Fábio Mendonça de Araújo critica que, "nos vídeos, dá para ver que ele não está normal. E eles (PMs), em nenhum momento, usaram uma arma de choque. Esses policiais já vieram querendo agredir o Carlos. Em nenhum momento, ele foi para cima deles (PMs), não estava armado, não estava ameaçando ninguém".
âž¡ï¸Â PMs são investigados por abordagem com socos, chutes e tiros em suspeito que estava em surto, em Fortaleza: https://t.co/iWmaxMpSR7 pic.twitter.com/SMRO4McbyK
— Diário do Nordeste (@diarioonline) April 15, 2025
"Atiraram no Carlos à queima-roupa. Até hoje, ele está internado no hospital, em estado grave. Porque uma bala de borracha atingiu tão perto o pulmão dele, que feriu o pulmão e criou uma bolha", diz a familiar de Carlos, que acrescenta que o servidor público também teve complicações no nariz (que foi quebrado por socos) e no estômago.
Questionada sobre a denúncia de excessos na abordagem policial, a Controladoria Geral de Disciplina emitiu nota em que apenas confirma que "investiga a ocorrência no âmbito administrativo".
A Defensoria Pública Geral do Ceará acompanha a denúncia que a família de Carlos Fábio fez à CGD e oficiou a Delegacia de Assuntos Internos (DAI), da Controladoria, "noticiando o fato criminosa e requerendo abertura de inquérito policial.", segundo o Órgão. "Além disso, a Defensoria Pública está promovendo a defesa do Carlos Fábio no processo em que ele é réu e tramita na 13ª Vara Criminal", completa.
Segundo a versão da Polícia Militar do Ceará (PMCE) sobre o caso, "equipes da Força Tática do 17º Batalhão de Polícia Militar (17º BPM) atenderam a uma ocorrência no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza, envolvendo um homem de 37 anos".
"A equipe foi acionada, via Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), com a informação de que o indivíduo estava agredindo várias pessoas, incluindo seu pai, além de danificar um veículo. Durante a abordagem, o suspeito investiu contra os policiais e tentou tomar a arma de um dos agentes", continuou a PMCE, em nota.
A Corporação acrescentou que, "diante da gravidade da situação, outras equipes policiais foram mobilizadas para conter o agressor. Durante a contenção, um policial militar sofreu lesões".
Ainda segundo a Polícia Militar, o suspeito foi levado a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde recebeu atendimento médico sob escolta policial, e o caso foi apresentado no 32º Distrito Policial (32º DP), da Polícia Civil do Ceará (PCCE), onde o homem foi autuado por lesão corporal, dano e desacato.
A investigação policial resultou em denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o servidor público Carlos Fábio Mendonça de Araújo por duas lesões corporais, um dano qualificado (com violência à pessoa ou grave ameaça) e resistência, apresentada à Justiça no dia 26 de fevereiro último. A denúncia foi recebida pela 13ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza e o acusado virou réu, dois dias depois.
Conforme a denúncia do MPCE, um homem "relatou aos policiais que um homem havia subido em seu carro e começado a pular, momento em que desceu do veículo e o referido homem o agrediu, tendo o filho da vítima tentado intervir para contê-lo. Foi constatado que o infrator ainda estava nas proximidades, sendo perseguido por populares".
A Polícia Militar foi acionada e começou a perseguição ao suspeito, pelas ruas do bairro Conjunto Ceará. Carlos Fábio teria tentado pegar a arma de um policial, o que motivou a outro PM efetuar um disparo de arma não letal.
O Ministério Público narra ainda que outra composição policial abordou o suspeito na Avenida G, "mas novamente o indivíduo desobedeceu e avançou contra o policial para agredi-lo". Como resposta, um PM "efetuou disparo de arma letal na perna do infrator, que, mesmo assim, desobedeceu a ordem de parada e saiu correndo".
"Mais à frente, o acusado foi abordado novamente e recebeu voz de prisão, tendo a composição policial necessitado utilizar de força para algemá-lo, pois estava bastante violento e incontrolável. Posteriormente, os policiais tomaram conhecimento de que o acusado era faixa preta de Jiu Jitsu e que tinha agredido vários transeuntes, tendo também sofrido algumas lesões praticadas por populares."
Apesar da denúncia criminal, o Ministério Público do Ceará solicitou à Justiça a instauração de Incidente de Insanidade Mental, para verificar se o acusado tem doença mental, o que pode torná-lo penalmente inimputável (ou seja, ele pode não ter a compreensão do ato ilícito cometido). A 13ª Vara Criminal acolheu o pedido e instaurou o Incidente, no dia 28 de fevereiro deste ano.
O MPCE indicou que "há indícios de que Carlos Fábio seja portador de transtornos psiquiátricos, já tendo passado por internamentos e tratamentos medicamentosos".
Conforme a decisão judicial, "basta a dúvida sobre a integridade mental do acusado, como consta expressamente do art. 149 do CPP. No presente caso, a dúvida existe, haja vista não haver nos autos qualquer Laudo Pericial acerca da doença mental indiciado".
A Perícia Forense do Ceará (Pefoce) agendou o Exame Pericial Psiquiátrico de Carlos Fábio Mendonça de Araújo para o dia 21 de janeiro de 2026, daqui a mais de 9 meses. "Estamos cientes da prioridade e que a data escolhida é a mais breve possível na agenda deste Setor de Psiquiatria da Pefoce, que se encontra com elevadíssima demanda judicial e quadro reduzido de peritos", justificou o auxiliar de perícia do Setor de Psiquiatria Forense.