O discurso paranoico da segurança tomou conta da Europa ocidental, o que terá consequências no resto do mundo.
Comecemos por aqui. Talvez a mais importante consequência geopolítica desta guerra seja a formação de uma sólida identidade nacional ucraniana. A Ucrânia sempre foi um país dilacerado por duas civilizações em competição — de um lado, o ocidente católico, do outro, o oriente ortodoxo. É muito impressionante verificar como a linha de fratura desta guerra segue ainda a grande divisão religiosa entre o cristianismo de Roma e o cristianismo de Constantinopla. No final de Guerra Fria, nos anos noventa, um general russo afirmava que “em cinco, dez ou quinze anos, a Ucrânia, ou melhor, a Ucrânia oriental, voltará para nós. A Ucrânia ocidental que vá para o inferno. O inferno chegou e a Ucrânia ficou. Os mortos unem as nações. A nação ucraniana ficou mais forte, não mais fraca.
Depois, num segundo ponto, julgo que podemos dizer que o ocidente sai desta guerra enfraquecido como nunca. Passado o primeiro choque da guerra, a imposição de sanções económicas à Rússia ditou um caminho de isolamento progressivo — nem a China, nem a Índia, nem o Irã, nem a Turquia, nem o Brasil, nem a Arábia Saudita, nem outros países do chamado Sul Global acompanharam os países ocidentais nesse combate que prometia colocar a economia russa de joelhos em poucas semanas. Não aconteceu.
Habituado a editar a agenda internacional o ocidente falava da necessidade da derrota militar da Rússia, enquanto o resto do muindo falava da necessidade de paz. Como é costume, os que estão habituados a dar ordens nem sempre são os que vêem claro. Em três anos de guerra a Rússia não colapsou, Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e a unidade ocidental desfez-se em pedaços. A Europa viu-se subitamente sozinha — e humilhada. Começou então o penoso espetáculo de servilismo europeu que acabou em indiferença do lado americano. Enfurecida com o mundo que não lhe obedece, a Europa acha agora que a boa resposta é a corrida aos armamentos. A grande prioridade europeia passou a ser esta – produzir armas. Que tristeza.
E, no entanto, ao contrário do que para aí vejo escrito, uma das lições mais importante destes três anos de guerra é que o exército russo não é tão forte e temível como diziam. A verdade é que, apesar de enfrentaram uma coligação de países ocidentais que forneciam armas e informações aos ucranianos, os avanços militares russos foram sempre tímidos e sofridos. Estes três anos mostraram não só as limitações do uso do poder militar, mas as limitações do poder militar russo em particular. A ameaça russa não é o que se imaginava. A Europa ocidental não tem hoje mais medo da Rússia do que tinha — tem menos.
Seja como for, o discurso paranoico da segurança tomou conta da Europa ocidental, o que terá consequências no resto do mundo. De forma simples, a mudança pode ser assim apresentada: a antiga potência normativa aspira agora a ser mais uma entre as potências militares. O novo discurso europeu de corrida aos armamentos representa a adopção de uma certa visão do mundo na qual o direito é fraco e só a força é eficaz. A única garantia na geopolítica é a força e são as armas.
Tudo o resto, o direito internacional, a diplomacia e as normas de convivência pacifica são construções abstratas e ilusórias que só podem conduzir a equívocos e a catástrofes como a que vivemos hoje na Ucrânia. Pois bem, fiel aos velhos ensinamentos que sempre inspiraram o projeto europeu é preciso voltar a dizer que não é assim, que a invasão da Ucrânia não é a regra, mas a exceção. Que na maioria das ocasiões o direito internacional é cumprido e que a maioria das nações vive em paz com as outras na maior parte do tempo. Que o direito internacional não é o problema, mas a solução. Que o problema são as armas e a retórica belicista, não a paz. A corrida aos armamentos torna a União Europeia irreconhecível.
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